segunda-feira, 20 de julho de 2015

Mandatos extraordinários

Dizem que “a Justiça tarda, mas não falha”, mas aqui no Brasil a Justiça tarda excessivamente e falha muito mais do que o minimamente razoável. Logo, as operações de busca e apreensão em casas e escritórios de políticos e do ex-presidente Fernando Collor de Mello podem ser um ótimo indício de que as coisas estão mudando. Pego de calças curtas, Collor sofreu a punição moral, quando renunciou à Presidência, e a punição política, quando teve o mandato cassado pelo Congresso. Ele, entretanto, jamais teve qualquer punição da Justiça. Após anos e anos de “investigações”, o Supremo Tribunal Federal acabou por absolvê-lo, o que, àquela altura, não mereceu mais do que pé de página da imprensa. Collor ressurgiu das cinzas como senador eleito por Alagoas em 2006 e ganhou um troféu com sabor especial: as graças do então presidente Lula, que o abraçou efusivamente e previu que faria “um mandato excepcional”. Logo ele, Lula, que liderou a campanha de difamação do adversário de 1989 e que, depois da derrota, teve papel relevante para reduzir o governo Collor a pó. Mais de 20 anos após o impeachment e quase dez depois de ser introduzido ao admirável mundo novo de Lula e do PT, o país tem agora a chance de responder àquela perguntinha que nunca quis calar: Collor caiu só por pressão política ou por que tinha culpa no cartório? A Lava Jato, a infiltração de Collor na Petrobras na era Lula e a descoberta de que ele embolsou nada mais, nada menos que R$ 20 milhões reduzem essa dúvida a perto de zero. A Operação Politeia, deflagrada pela Polícia Federal, abre uma etapa decisiva da Lava Jato, porque chega finalmente aos políticos investigados pelo Supremo e atinge Collor em cheio. Isso, porém, pode favorecer Dilma Rousseff, num momento em que ela está sob ameaça de cair, mas boa parte do Congresso também está enrolada e na mira das investigações da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal. Destituir Collor foi fácil, porque ele já tinha uma imagem negativa entre os bem informados e foi se deteriorando de vez com o tesoureiro PC Farias (sempre os tesoureiros...), o Fiat Elba, as fontes nababescas da mesma Casa da Dinda que, aliás, agora acolhe Ferrari, Lamborghini e Porsche. E foi fácil também porque o Congresso estava forte, exalando legitimidade com o ar puro das Diretas Já, da eleição de Tancredo Neves e da nova Constituição. O ambiente em que se discute a destituição de Dilma Rousseff, seja pela reprovação das contas de campanha no TSE, seja pela rejeição das contas de governo no TCU, é completamente diferente. Se Dilma, Lula e o PT estão no “volume morto”, e com ótimas razões, não se pode dizer que o Congresso e mesmo o TCU estejam navegando em águas caribenhas. Até os presidentes da Câmara e do Senado e o filho do presidente do TCU estão sendo investigados. Vai que as próximas buscas e apreensões sejam nas casas oficiais de suas excelências... Com que autoridade poderão comandar uma votação para depor Dilma? Aliás, os articuladores de uma frente suprapartidária para alçar Michel Temer à Presidência, em caso de impeachment de Dilma, entraram em pânico ao saber que Eduardo Cunha e Paulinho da Força andaram discutindo com o ministro do Supremo Gilmar Mendes uma solução tripartite, na qual Temer, Renan e o próprio Cunha assumiriam o poder. Isso desmoraliza qualquer articulação pró-Temer. Ou é de uma burrice incomensurável ou só pode ser manobra diversionista, coisa de dilmista de primeira hora para criar um “xô, impeachment!”. Dilma é um desastre, Lula meteu os pés pelas mãos e o PT afundou por conta própria. Logo, articular a ascensão de Temer numa frente de forças políticas relevantes é constitucional e legítimo. Mas conspirar para um triunvirato Temer, Renan e Cunha, com Paulinho da Força pontificando? Depois de 23 anos da queda de Collor e dos “caras pintadas”, era só o que nos faltava.


 Eliane Cantanhêde.
Publicado originalmente no diHITT


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